Medo de Morrer

1 - Introdução

A psicologia como ciência, arte, reflexão e prática cuida da questão do homem, de sua relação com os outros e com o mundo, com a vida e também com a morte, pois esta questão está presente nas suas diferentes áreas de trabalho. Então, refletir sobre o tema é fundamental para o profissional que tem o seu trabalho centrado na relação com o ser humano.

O tema morte sempre desafiou e intimidou o ser humano em várias épocas do seu desenvolvimento, então, neste trabalho, trataremos de abordar um tema difícil, ou seja, a morte negado – tabu – aquele que nos incomoda e por isso preferimos não vê-lo, mesmo quando ela insiste em aparecer em nossas vidas (nas faltas, ausências, nos meios de comunicação, nas grandes e pequenas guerras, em nossos vizinhos, na miséria, na saudade, ...)

É estranho que o tema tratado intimide o homem, pois atualmente questões como câncer, AIDS, violência que estão diariamente estampados em nossas vidas, deveriam constantemente remeter o homem a meditar sobre o assunto.

O medo estão, é a resposta psicológica mais comum diante da morte. Então pode-se concluir que o medo de morrer é universal, e portanto, atinge todos os seres humanos (independente do sexo, idade, religião, nível sócio-econômico). Segundo Feifel (1981), “nenhum ser humano está livre do medo da morte, e todos os medos que temos estão de alguma forma relacionados a ele”.

Neste trabalho trataremos de abordar o medo da morte em diferentes épocas da história da humanidade (mais especificamente o período compreendido entre 1900 – 1940 em comparação com o período pós 2º Guerra Mundial até os dias atuais), tentaremos justificar porque aparentemente na atualidade, as pessoas demostram mais medo da morte do que em períodos anteriores.

2 – Como se morria antigamente

Antigamente a pessoa que pressentia a proximidade do seu fim, respeitando os atos cerimoniais estabelecidos, deitava-se no leito de seu quarto donde precedia uma cerimônia publica aberta às pessoas da comunidade. Era importante a presença dos parentes, amigos e vizinhos e que os ritos da morte se realizassem com simplicidade, sem dramaticidade ou gestos de emoção excessivos. O moribundo dava as recomendações finais, exprimia suas últimas vontades, pedia perdão e se despedia. O sacerdote comparecia, era tempo agora de esquecer o mundo e de pensar em Deus. O moribundo se confessava e, se tal fosse possível, fazia uma confissão geral. Recebia a comunhão, dado como alimento para a viagem. Quando se aproximavam os últimos momentos, a comunidade recitava as orações dos agonizadores.

Imediatamente após a morte, os familiares observando religiosamente as costumes, fechavam as janelas, acendiam as velas, cobriam os espelhos, paralisavam os relógios. O corpo do defunto era objeto de alguns cuidados especiais: banhado, unhas e cabelos aparados, vestido e coberto pela mortalha. Com os dedos das mãos entrelaçados e envoltos por um rosário, o defunto ficava exposto sobre uma mesa e durante dois ou três dias, seus parentes e amigos, com vestimentas de luto, desfilavam diante dele para o último adeus.

No dia do enterro, o defunto era acompanhado por todos os seus conhecidos, que vinham de novo para escolta-lo em sua última viagem. Lenta e cuidadosamente, a procissão fúnebre atravessava o espaço no qual ele viverá. Chegando à igreja, era submetido os ritos necessários à sua purificação e encomendado para facilitar a sua passagem dessa comunidade para uma outra, a dos anjos e santos.

Da igreja o defunto era conduzido ao cemitério, sua “última morada”, onde, mais tarde, receberia visita mais ou menos freqüentes que depositariam flores sobre o seu túmulo, sinais de que ele não seria definitivamente esquecido.

As manifestações de luto (vestimentas negras, não participação da vida social e inúmeras outras interdições, expressão da dor das saudades e do dilaceramento da separação, eram escrupulosamente respeitadas por um período necessário para a cicatrização da ferida e para a reintegração dos parentes às condições normais de vida.

Desse modo se morreu durante séculos, de cinqüenta anos para cá, as atitudes do homem ocidental perante a morte e o morre mudaram profundamente, ocorrendo uma verdadeira ruptura histórica.

3 – Como se morre hoje

Atualmente existe a preocupação de iniciar as crianças desde muito cedo nos “mistérios da vida”, mecanismo do sexo, concepção, nascimento e, não tardará muito, também nos métodos de contracepção.

Porém se oculta sistematicamente das crianças a morte e os mortos, guardando silêncio diante de suas interrogações da mesma maneira que se fazia antes quando perguntavam como é que os bebês vinham ao mundo. Antigamente se dizia às crianças que elas tinham sido trazidas pela cegonha.

Hoje recebem desde a mais tenra idade informações sobre a fisiologia do amor, mas quando se surpreendem com o desaparecimento do avô, alguém lhes diz “Vovô foi fazer uma longa viagem”.

A permanente popularidade dos filmes de terror e o aparecimento de um novo culto da violência nas produções cinematográficas, confirmam esse deslocamento do tabu. A morte, não o sexo, é agora o tabu que

Numa sociedade como a nossa, completamente dirigida para a produtividade e o progresso, não se pensa na morte e fala-se dela o menos possível. Os novos costumes exigem que a morte seja o objeto ausente das conversas educadas. Quando, porém apesar de tudo é necessário fazer alusões a ela, recorre-se a eufemismo que ajudam a disfarçá-la.

Assim, dentro do contexto hospitalar, o paciente não morre: “expira, se perde na mesa, vai a óbito, é SWAT negativo” (SWAT, expressão utilizada para designar a equipe de reanimação cardíaca do hospital), ou, se está agonizando, é “paciente com síndrome de JEC” (Jesus está chamando). Mesmo nos comunicados de guerra não se fala em mortos, mas em desaparecidos; os soldados não morrem, “dão baixa”. O morto na linguagem policial é um “presunto” e o assassinato um “liquidar” Designando o morrer como algo impessoal e os mortos como coisas, encobre-se o fenômeno.

Atualmente as pessoas são destituídas do direito outrora fundamental. Não se morria sem antes se ter tido tempo para saber que se ia morrer.

O homem tinha consciência do seu fim próximo, seja porque o reconhecia espontaneamente, seja porque cabia aos outros adverti-lo. A morte súbita, repentina, era considerada desonrante, uma verdadeira maldição, não só porque impedia o ato de arrependimento, como também privava o homem de agonizar e presidir solenemente a sua morte.

Hoje o que era reconhecido é dissimulado. O ideal é que ele morra sem se dar conta de sua morte, que ele jamais saiba que o seu fim se aproxima, nesse sentido, os familiares cuidam disso e podem contar com a cumplicidade do pessoal médico. Se apesar de tudo, fingirá não saber para não criar embaraços, pois sabe que, no fundo, o que dele esperam é que respeite as convenções sociais, não perturbando os que sobreviverão.

Os sinais que possam alertar o doente do seu real estado são cuidadosamente afastados, a começar pela presença do sacerdote. O padre só é chamado à cabeceira do leito do moribundo quando este já perdeu a consciência ou quando já está definitivamente morto.

A sociedade ocidental contemporânea reduziu a morte e tudo o que ela está associado, um modo não satisfeito de privar o indivíduo ou sua agonia, de seu luto e da nítida consciência da morte, de impor à morte um tabu, ou marginalizar socialmente o moribundo de esvaziar todo o conteúdo semântico dos ritos fanáticos, a sociedade mercantil vai além, ao transformar a morte num resíduo irreconhecível.

Numa “sociedade negadora da morte” como a nossa, onde o ato de mover tornou-se um assunto privado e tecnicamente controlado, os moribundos recebem por parte da comunidade uma ajuda humana muito pequena. Inúmeros e impressionantes relatos a respeito das conseqüências da transferência dos moribundos de seu ambiente familiar para os centro de atendimento médico reservados para esses casos, amiudaram especialmente o fato de que os hospitais na medida em que são providos de todos os recursos médicos e técnicos especializados destinados ao combate das doenças são os menos adequados para oferecer aos moribundos o auxílio de que precisam.

A essa situação se acresce o problema do própria formação acadêmica dos profissionais ligados à saúde. Percebe-se que grande parte de nossas faculdades, devido a uma distorção curricular, está unicamente preocupada em qualificar pessoas aptas para curar, tratar e prolongar a vida, porém bem pouco aptas para assistir psicológica e humanamente pacientes que não se recuperar.

A dificuldade de que os membros das equipes de saúde experimentam no relacionamento com doentes próximos da morte deve-se também, em boa parte dos casos, à sua incapacidade de lidar com os seus próprios temores da morte.

Conclusão

O medo da morte tem um lado vital, que nos protege e permite que continuemos nossas obras, salvando-nos assim de riscos destrutivos e auto-destrutivos. Então, todo ser humano é obrigado a se controlar com esse dilema, como o viverá, porém vai depender em parte de sua história de vida, das características de sua personalidade, mas também de seu esforço pessoal para enfrentar essas questões. Portanto o homem acaba sendo responsável pela sua morte, tanto quanto pela sua vida.