ASPECTOS PSICODINÂMICOS DA AIDS

 

Quando se fala de reação do paciente frente à morte na AIDS, freqüentemente se está referindo à possibilidade de morte, uma vez que os recursos hoje disponíveis não a combatem de forma eficiente. A AIDS hoje se transformou em um sinal e risco constante da presença da morte. Assim a reação do paciente é vista como um temor à possibilidade da morte, uma vez que ela o faz se defrontar com perdas. De acordo com Abadi (1973), o medo da morte é, sem dúvida, a angústia fundamental do homem. Em relação a ela, toadas as demais formas de ansiedade são secundárias.

A atitude observada em alguns pacientes, depois de serem informados do diagnóstico positivo, no entanto, nos induz a pensar, que não se trata apenas de um temor a uma possibilidade de morte essa sua reação. Mais do que isso, seu comportamento é conseqüência da própria morte.

Evidentemente, uma vez que o paciente está vivo e muitos deles completamente saudáveis, não se pode entender a morte no sentido literal, mas na acepção das perdas que a AIDS produziu e continuará produzindo.

As perdas podem ser sentidas de diversas maneiras, de acordo com características pessoais e de relacionamento. Abrangerá tanto o comportamento do sujeito, sua saúde, suas relações íntimas, seus hábitos, como parte de sua vida.

As alternativas freqüentemente seguidas pelo pacientes com AIDS, como reação à perda, são a negação, o luto ou a melancolia.

 

 

NEGAÇÃO E LUTO

 

Poderíamos perguntar porque um paciente se utilizaria do mecanismo da negação, uma vez que, dado a gravidade da doença, tomar contato com ela poderia auxilia-lo a assumir atitudes de enfrentamento. Como dissemos anteriormente, a AIDS é uma morte para o sujeito. Morte de parte ou partes do sujeito ou, de seus objetos, o que obviamente provoca intensa dor, quanto maior a catexia investida. A morte é, antes de tudo, uma perda da qual o paciente não consegue se livrar, uma vez que ela é real e ele incapaz de anula-la. Através da negação, não toma contato com nenhuma de suas perdas. É como se nada estivesse acontecendo.

 

 

 

O luto é uma busca de abandono da catexia objetal, uma vez que é sempre uma reação à perda real de um objeto amado. Nas palavras de Freud: “ O teste da realidade revelou que o objeto amado não mais existe, passando a exigir que toda a libido seja retirada de suas ligações com aquele objeto”. (Freud 1917).

Poder substituir o perdido, significa manter as relações nos mesmos níveis anteriores, sem prejuízo da necessidade, já que, “quando o trabalho do luto se conclui, o ego fica outra vez livre e desinibido”(Ibid, Pg277).

No paciente aidético, esse processo se completa quando o paciente aceita a dor da perda, da saúde, de certos hábitos, de relacionamentos, do tempo de vida, ou seja, se permite ao luto.

Quando exitosa a elaboração do luto, a catexis daí resultante se torna disponível para o paciente investir em novas relações ou mesmo naquelas que já mantinha, porém eram pouco catexizadas. Isso permite que se compreenda porque algumas pessoas habituadas a hábitos considerados pouco saudáveis, após o conhecimento do diagnóstico do HIV, conseguem uma melhoria significativa em suas relações humanas e em seus hábitos de vida.

Das três alternativas de reação aqui levantadas (negação, luto ou melancolia) freqüentemente adotadas pelos pacientes, somente o luto permitiria um bom nível de vida ao paciente, mesmo diante dos limites impostos pela AIDS.

 

 

MELANCOLIA

 

A terceira reação do paciente frente à AIDS, que nos interessa analisar, é a melancolia cujos “traços mentais distintivos são um desânimo profundamente penosos, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade e uma diminuição dos  sentimentos de auto estima..”. Mas, na melancolia, o paciente não pode conscientemente perceber o que perdeu e as auto recriminações são recriminações feitas a um objeto amado, que foram deslocadas desse objeto para o ego do paciente.

No aidético, a reação de melancolia se instala quando o paciente tem consciência de que perdeu alguma coisa amada, mas não admite essa perda através da relutância em deslocar catexis do objeto  perdido para outros. Apesar da gravidade das atitudes adotadas pelo paciente aidético melancólico, ele consegue encontrar satisfação de algumas necessidades nessa melancolia. Com exceção da transfusão de sangue, a transmissão da AIDS se dá a partir de atitudes dá paciente.

Na melancolia estudada por Freud, a própria pessoa enlutada se sente culpada pela perda do objeto amado. A melancolia do aidético toma forma de confirmação da culpa. É como se o paciente dissesse: “eu merco tudo isso. Eu busquei. Fui eu que me contaminei”. Isso incrementa a culpa que acaba se manifestando através da auto tortura, uma vez que as tendências de sadismo e ódio, relacionadas com o objeto, retornaram ao próprio eu do indivíduo. Quando esse ódio é muito intenso, o sujeito pode se suicidar. Isso vai se dar quando o ego for capaz de direcionar contra si mesmo todo o ódio objetal.